(Shiro & Kuro)

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

# 22 (inc)

(Roubavam estrelas para colocar nos cabelos, conheciam cada palmo de rua melhor do que as próprias mãos...)

Nunca haviam aprendido a fazer estrelas de papel.
Muito provavelmente, nunca aprenderiam, pensou aquele chocolate, ao relembrar-se da última vez que vira Shiro...

Havia algum sangue, dela e do rapaz com quem estivera à pancada. Não as conhecia de lado algum, o rapaz, era só uma daquelas 'crianças' cruéis, com prazer em maltratar os outros. Como as raparigas o ignorassem, o rapaz agarrara com brusquidão o braço da rapariga que se encontrava mais perto, magoando. Shiro, surpresa, esqueceu-se de respirar. (Então?, dissera Shiro, com indignação no suave sotaque nazareno.)

Mas Kuro apagara. Primeiro, a sua mão voara em direcção ao rosto do rapaz, depois enterrara-se no seu estômago. Recuperado do espanto, o rapaz ripostara. O rapaz era mais forte e mais velho do que Kuro mas ela era a mais ágil. Como gatos numa nuvem de pó, arranhavam, mordiam, pontapeavam, puxavam, valendo de tudo. O chão estava cheio de cacos de vidro, das garrafas de cerveja com tara perdida que de noite se haviam partido naquela zona obscura da baixa da cidade, e o rapaz não hesitou em pegar num.

Depois, sangue, muito, muito sangue, feridas de levar pontos. Mas Kuro não se importava com os cortes nem os via, era uma mera sombra agora, uma coisa endemoninhada, de mãos vermelhas e lábio arrebentado, disfarçada em roupas humanas sujas de pó.

Por momentos, aquele ser medonho viu Shiro, a Shiro tão frágil, sempre tão doce e calma; então, parou, assombrada - assustada e imóvel, a poucos passos, Shiro hesitava, olhando-a como se a visse pela primeira vez, com horror estampado no rosto. Instantes depois, fugia, desaparecendo pelas ruas que ambas tão bem conheciam, e Kuro não mais a voltaria a encontrar.

Revira aquelas memórias centenas de vezes. Pensara que Shiro voltaria ao esconderijo e esperara dias a fio. Até que a rapariga do cabelo roxo, cansada de voltar àquela casa escura, vazia e triste, procurara outro sítio para dormir.