(Shiro & Kuro)

sábado, 29 de janeiro de 2011

# 17

Ventos tentavam arrancá-la. Ela não percebia de onde, mas doía e Shiro chorava com aflição. Estava frio, muito frio e ela caiu.
Acordou em sobressalto com a batida no chão. Caíra de cabeça. «au... adormeci sem querer...». O vento estava revoltado. Não estava segura ali. Encostada a um simples muro de pedra, com desejos de diversas almas inscritos, com palavras de amor falsas e verdadeiras à espera de serem lidas com um sorriso. Ajeitava a sua saia, cada dia mais suja, quando viu algo a brilhar no chão. A luz do candeeiro solitário reflectia a sua luz em algo precioso. Shiro levantou-se um pouco atordoada ainda, era um pequeno objecto, e de tão precioso que parecia ela aproximava-se com cautela, baixou-se, foi gatinhando de encontro ao que parecia ser agora um anel. E era, um anel de prata, simples, mas cheio de magia «Kuro iria adorar». Enfiou-o no dedo indicador direito «por agora és meu».

(refeições todos os dias às mesmas horas. Ir dormir sempre à mesma hora. Ter com quem brincar todos os dias. «mas de certeza que não se preocuparam»)

Abrigou-se algures debaixo de uma caixa de madeira tombada. Parecia ter chegado a outra vila. Adormeceu depressa sufocada por pensamentos e memórias.

Acordou com uma senhora a virar a caixa. Abriu os olhos assustada como um gatinho vadio, limpou a lágrima que ainda escorria pela sua face e correu. Parou uns metros à frente, ofegante, atirando-se de joelhos para o chão «tenho...fome...». Sentou-se e pôs-se a observar à sua volta. Um mini-mercado com caixas de fruta à porta encontrava-se escondido numa rua à sua frente. Shiro passou devagarinho agarrando a quantidade de peças que mais conseguia e correu até parar num banco, num pequeno jardim. Rapidamente cravou os dentes numa maçã que devorou em escassos minutos. Nunca comera uma fruta tão deliciosa.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

# 16

O plano surgira quando ouvira conversa alheia numa taberna. Os caçadores de recompensas falavam alto o suficiente devido à habilidosa acção do vinho, e Kuro não tardou a aguçar os ouvidos, enquanto sorvia discretamente o seu chocolate quente, imersa nas sombras.
Que certo pergaminho antigo estaria guardado e protegido, naquela biblioteca sinistra e raramente aberta ao público; que ficava em certa zona da cidade, mais central do que deveria, rodeada por casas de comércio e pequenos prédios de não mais de três andares; que, dizia-se, era uma casa de espectros.
A sombra das brumas seria a sua guardiã, decerto.
Mas, agora que a encontrara, Kuro não sabia que acção imediata a tomar. Deveria cumprimentá-la, deveria fingir que não a vira?

«Não!» O anel de prata escorregou do seu dedo indicador, gelado e roído da fome, nem um segundo depois de Kuro pressentir que o faria.
As brumas que lhe toldavam o caminho cerravam-se ainda mais… A sombra sorriu.
Kuro, de joelhos no chão, procurava desesperadamente o anel, esquecida por momentos da sua situação.
«Não o encontrarás», disse-lhe a sombra.
Não se ouvira a queda do anel no solo empedrado.
«Muito bem, que queres tu?»
O frio denso daquelas nuvens nocturnas persistia em agarrá-la, para que não fugisse. Levantou-se, a custo, mas somente após se certificar de ter procurado bem em toda aquela área.

«Quero que venhas comigo e que me recuperes algo.»
Nesse momento, enfraquecida pela fome e pelo frio, Kuro fechou os olhos.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

# 15 (rascunho, não versão final)

A neblina caiu, rápida e sem aviso e uma película de humidade fria cobriu o mundo, transfigurando-o à sua passagem.

A luz quente dos poucos candeeiros de rua filtrava-se de maneira surreal, de selva refractada, por entre as folhas das árvores, e criava espectros dourados à sua volta, e as sombras espreitavam, indistintas, ao longe.

Kuro continuava a forçar a fechadura, cerrando os dentes com o frio. Já sentia as pontas dos dedos enregelados e mais rígidos, e doía-lhe mexê-los, tremente, mas recusava-se a desistir.
A noite há muito que recolhera as pessoas a suas casas e que trouxera os gatos e todas as outras criaturas nocturnas e vadias para as ruas.
O nevoeiro adensava-se. A porta não abria e Kuro não percebia porquê.
Tornou a girar o pequeno ferro dentro da fechadura, mas a biblioteca permanecia cerrada.
Kuro lamentou não ter nada comestível dentro dos seus bolsos enquanto a sua barriga lhe rosnava em sofrimento.
«Será melhor retroceder e voltar numa outra noite, talvez? Não. Depois de arranjar alimento, daqui a pouco.»

«Eu volto», prometeu Kuro à porta teimosa, em pensamento.
As brumas não deixavam ver muito para além de um metro de distância, obrigando a que se descobrisse o caminho, passo a passo. Kuro não havia andado mais que oito metros quando uma das brumas lhe barrou o caminho, impedindo-a de avançar.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

# 14

Cor. Shiro adorava cor. Apreciava agora como as pedrinhas ganhavam várias cores quando afogadas numa pequenina poça de chuva outonal.

«será que estou à tua procura?»

Shiro sentia-se cansada. Sozinha. Cada vez mais recolhida em si própria. Tinha fome. Apetecia-lhe sentar-se num canto para sempre. Chorar até não poder mais. Memórias, não só de Kuro, tentavam puxá-la para um buraco negro. Shiro lutava, mas não se apercebia do quão forte estava a ser. Ignorava, rejeitava, desprezava o que a poderia deitar abaixo.

Olhou em volta: do lado esquerdo uma estrada, do lado direito um edifício ao longe, estranho mas de estrutura curiosa.

Decidiu-se pelo lado direito.