(Foi quando Shiro soube que) Kuro trazia muita saudade dentro de si. Era uma saudade-fome, insaciada, uma fome urgente, ausente de luz. Infatigável e eterna. Por isso, por vezes, Kuro sonhava ser valquíria. E, nessas alturas, os dedos de Shiro tornavam-se pequeninos, muito pequeninos, mas não deixavam nunca de agarrar a mão de Kuro.
«Nós deveríamos ter asas», tornou a pensar Kuro, depois de reler a carta de Shiro pela terceira vez. O cogumelo na parede reflectia já o brilho pálido de uma lua quase cheia e o vento entrava frio pelas janelas feridas da casa abandonada.
«As de Shiro seriam brancas. As minhas, negras.
Faríamos bom uso delas e rasgaríamos todos os céus.
Saboreando cada minuto.
Deixando penas negras e brancas por onde quer que passássemos.
Inquietando. Ajudando a que se voltasse a sonhar.»
Guardou a carta em bolso secreto e aconchegou-se o melhor que pôde para dormir.
O dia seguinte passaria razoavelmente depressa e sem sobressalto. "Menos sol e mais escuridão". Sorriu.
Kuro gostava tanto de andar pelas sombras como qualquer gato triste.
Sem comentários:
Enviar um comentário
sonhos atirados